Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Serás querubim

Chora coração, sangra coração,
que se deixa ferir
Mas não, não se despedace assim
Não se deixe ir tão facilmente
Resista
Que eis que todo o ser precisa de ti
Precisa que batas, que pulses
Sangue que conserva a alma de pé
Fiel e tolerante
Quereis ser como aquele pássaro que voa, voa, voa,voa...
Que ao longe no horizonte desaparece
Mas não possuís asas, como quereis, portanto, voar?
Fique, fique, que brotarás em ti a mais-perfeita-rosa
do mais-perfeito-jardim
E te tornarás então mais-perfeito-querubim
que voa, voa, voa, voa....
Com os pés no chão

Maysa Sales

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Talvez, Suficiente



Sonhos, caminhos, escolhas. Desejo.
A cada dia renová-lo, buscando o suficiente.
O suficiente para amar o próximo.
Sabedoria suficiente para saber tomar as decisões diante da vida.
Temor a Deus suficiente para amá-Lo sobre todas as coisas.
Felicidade, carisma e simpatia suficientes para tornar a rotina menos massacrante.
Compaixão, caridade, solidariedade suficientes para poder ajudar o irmão.
E desejar menos. Menos tristeza, menos tormentos, menos desespero, menos dúvida, menos solidão.
Desejar esses menos, por fazerem parte do crescimento humano, mas na medida certa.
E, acima de tudo, discernimento para ponderar as medidas de todas as doses de sentimentos aos quais somos submetidos.
Jamais perder a fé, em Deus e na vida, pois é preciso força para lutar no dia a dia.
Talvez isso possa ser uma das luzes que iluminam o caminho que devemos percorrer.
Talvez.

Maysa Sales


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ambulante e estático


Deixe-me com meus pensamentos mirabolantes
Com minha ideia torta
Desconstruída
Indiferente
Do mundo, das coisas, da vida
Do abstrato, do concreto, da fantasia
Eis a parte de mim mesma
Uma meia e incompleta metamorfose, preteofose
Que corre, que se desfaz
A mistura corriqueira e banal que agora se concretiza
Talvez para libertação, ou mesmo aprisionamento
A antítese faz parte. Ela é a verdade
A completude de tudo que há
Uma completude inacabada de nós mesmos
Uma completude que se acaba em nós mesmos
Mundos, cores, deixa ser, deixa estar
Deixe-me estar. Deixe-me assim
No meu mundo inconcreto, surreal e verdadeiro

Maysa Sales

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Do mesmo


(quadro de Salvador Dalí)


O amor me obedece, ainda que atravesse meu coração
com suas flechas e que agite e branda as suas tochas.
Mais violentamente o amor me transpasse,
mais violentamente ele me abrase,
melhor saberei me vingar das feridas que ele me fez.

Ovídio. In: A arte de amar

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Acabou indo embora, cedo demais


"Eu descobri sem a gramática que saudade não tem tradução"
E muito mais que isso. Descobri que algumas saudades simplesmente são eternas.
Sentimos saudade do tempo de criança, em que não sabíamos exatamente o que era crueldade e tristeza. O que sabíamos sobre elas era que crueldade se resumia a quando nossa mãe não nos deixava ir brincar na casa do amiguinho, o que nos dava uma grande tristeza.
Fantasiávamos um mundo colorido, de paz, amor, de união. Em que todos eram felizes.
Pena é perceber que crescemos e encaramos que a realidade é outra.
Encaramos uma realidade de perdas, decepção e solidão.
Perdas de pessoas que nos formaram, que nos ajudaram a ser quem agora somos.
Olho pra trás e o que lembro são o afeto e carinho de minha avó. De como, quando havia festas aqui em casa, e a casa era preenchida, porque ela estava presente. Em contrapartida, agora, o que há é um vazio da família que ninguém consegue preencher.
Lembro, simplesmente, o quão ela foi minha mãezona.
Que me levava à igreja desde pequena, me ensinando os caminhos de Deus.
As vezes em que me ensinava a perdoar, a amar o meu irmão, a ter paciência.
E também as vezes que me dizia não. Que me dava broncas. Isso porque me amava.
Olho também para o meu avô e lembro de como eu era uma filha sua, não neta.
Da forma como me dengava e até era injusto com meus primos porque me superprotegia.
De quando ele criava canções, poemas, apenas pra mim!
De quando me chamava de nega véia rsrs
E ele é meu avohai, avô e pai.
E ela é minha mocinha.
E eu... uma neta orgulhosa pelos avós que teve.
E a vida segue, trabalho, amigos... "só que neste mundo o verão acabou...".

Maysa Sales



terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Em vão (ou no vão?)

Há tempos de incerteza, devaneios, escuridão
Há tempos de certeza, realidade e luz
E há tempos de ambos. Numa mistura insolúvel
O oposto que se esconde
Que se deixa mostrar
Nada além, e muito além do visível
Não me deixa ficar. Não me deixa partir
Esvai-se numa cinza que era chama e se queimou

Maysa Sales