Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Assim, banalmente

Chorei. Assim, banalmente. Sem motivo, ou com ele, não sei direito. Só sei que chorei. E foi estranho, foi intruso, foi como roubar minha segurança. Lágrimas me roubando o que eu sou, invadindo meu lar, invadindo meu sossego. Lendo que estava aquela que é perplexa, angustiada e questionante. Questionei-me também sobre-tudo, e sobre esse nada. E me vi desolada. E me vi acompanhada por aquela que me fez chorar e por aquelas que teimavam em descer meu olhar. A vida é isso. Esse desolar de si mesmo, esse desconhecido que somos a nós. E a vida é esse outro. Esse outro que não é meu, esse outro que sou eu e esse outro que se esconde. Em algum lugar, em qualquer lugar. E que te faz chorar. Assim, banalmente. Como a vida.

Maysa Sales

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Não é

Ando procurando o desenho da vida. Será que é por isso que ando atormentada? Será possível encontrá-lo? Ando assim, por aqui, por acolá, e não consigo me encontrar. Me aborreço por perceber que os dias são iguais, que as tristezas são iguais, que a solidão é unicamente a mesma. O sol ainda aquece e a lua até que ainda brilha, só que as noites continuam escuras. É estranho ver a vida simplesmente passar, junto com tanta gente. Tanta gente que há no mundo, e eu aqui. Tanta gente feliz no mundo, e você aí. E os caminhos continuam ausentes, e as distâncias cada vez mais verdadeiras. Não há aonde ir, nem onde ficar. Nâo faz sentido esses opostos, não faz sentido não estar.
O dever e o esperar na desperfeita simetria e em sua angústia de não pertencer.

Maysa Sales

domingo, 29 de julho de 2012

Experimente me amar

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. ( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?). Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.

Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia... isso a gente vê depois ... se calhar ... Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos ... me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar ... experimente me amar!

Martha Medeiros

sábado, 28 de julho de 2012

É preciso parar

"Estou com saudade de mim. Andou pouco recolhida, atendendo demais ao telefone,escrevo depressa, vivo depressa.Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e econtrar-me enfim - enfim, mas que medo - de mim mesma"

C.L. in Aprendendo a viver

segunda-feira, 23 de julho de 2012

"Mais vale uma renúncia dolorosa, que permanecer onde seu coração está morrendo de inanição. A concessão sem limites não é amor, é desespero. É tentar segurar com força alguém que dá indícios de que está indo embora, é a forma mais humilhante de fazer com que ela alargue os próprios passos para longe. Ninguém pode restituir um amor que já foi embora - seria como tentar levar um punhado de água do mar para outra cidade na concha das mãos. A gente se apaixona pelo amor que o Outro tem por ele mesmo, depois pelo amor que descobrimos por nós mesmos. E aí, pelo encontro desses dois amores. Querer que o Outro fique nunca impediu que a porta fosse aberta e fechada logo em seguida, deixando apenas um rastro de perfume e um bocado de dor...".

Marla de Queiroz

domingo, 22 de julho de 2012

Desencontros - em paz

O amor é o nosso próprio desencontro. Ou um encontro desencontrado. Ou ainda uma perdição. Não consigo admiti-lo dentro de mim, mas não consigo deixar que ele me encontre. Ruim com ele, pior sem ele,ou o contrário. E se o contrário progredir para bom? Eis a chave da questão. O que é bom vicia, e tenho muito medo de viciar-me na perfeição. Quantas vezes deixei a benignitude passar, bem diante dos meus olhos. Mas fui cruel, psicopata, assassina, de mim e do (meu) amor. Para que arriscar com o que já tem seu lugar no sofá e na estante? Para que mudá-los de lugar para tirar a poeira do vendaval que passou? Acostumei-me com o não estavél e a calmaria jamais se apegaria a mim. Só que não. Em meus sonhos e na vida real, na verdade, foi o que sempre almejei. A minha calmaria e a minha liberdade unas em uma só felicidade. Porém, deixa assim. A vida e o amor mistificados, intransigentes e escondidos de si e de mim. Incompletos que sempre foram e concretos que jamais serão.

Maysa Sales

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Uma tristeza que acontece alegremente

"Tenho amigos que são tristemente alegres. Eles não conseguiram anular uma tristeza. Ela ficou a endividar o riso. Permanece como uma cicatriz, uma queimadura. Não apaga a água ou as alegrias. Convive junto, sempre. Não arreda pé da sala. Não permite ao rosto se contorcer de exultação. O riso é uma vez por lado, contido, como remos sincronizados. Como se o riso fosse apenas um entristecer dos dentes. Há amigos que pensam nessa tristeza fazendo novas coisas. E a tristeza pensa neles nas horas mais impróprias. Não há como aplacar esse sentimento - ao mesmo tempo - miúdo para ser reparado e extraviado para ser dito. Não é benigno ou maligno. Não é doença, muito menos saúde. É algo que se aprendeu quando não se prestava atenção. Uma tristeza assobiada, sem que conheça o alfabeto para se confessar. Uma tristeza suave, como uma criança que senta diante da máquina de lavar com os mesmos modos de uma televisão. Uma tristeza sem lugar para ir, que se acostumou a personalidade, que seca a louça de manhã. Uma tristeza que é charme, mas não chega a ser simpatia, que convida para a conversa, mas não tem o que falar. Uma tristeza calma, alimentada, que se contenta com pouco, que senta nos degraus da escada e divide os latidos da quadra em casas. Uma tristeza quase subterrânea, um rádio ligado entre duas estações. Não se mistura, não se guarda. Podia ser nostalgia, podia ser saudade, nada é de ambas por não se distanciar. Uma tristeza que arruma a cama e não se deita, envelopa as cartas e não escreve. Uma tristeza que é tremor de frio, um suor desajeitado, uma fisgada no braço, que movimenta os ouvidos involuntariamente. Uma tristeza tímida, não envergonhada. Uma tristeza sábia, que não é excluída com uma outra tristeza maior. Uma fogueira que a pá de terra não abaixa. Uma tristeza que veio de algum estalo, fissura, de um amor sacrificado, de uma amizade desmentida, de uma morte prematura, de uma viagem adiada. Medo de não ter vivido o bastante, covardia de não viver como se deve. Uma tristeza experiente, que não se repete. Que não salva, porém conforta. Que torna a feição séria como quem se escuta. Uma tristeza sem par para dançar. Isolada demais para ser lembrança. Antiga demais para ser futuro. Uma tristeza que acontece alegremente, mas ainda assim tristeza".

Fabrício Carpinejar

quinta-feira, 12 de julho de 2012

"Vê como estamos bem no começo?
Como que antes de tudo. Com
mil e um sonhos para trás e
nada feito.

Não posso imaginar mais feliz sabedoria
do que esta:
que é preciso ser um iniciante.
Alguém que escreve a primeira palavra atrás de um
secular
travessão.

Com essa observação, ocorre-me: que ainda pintamos as pessoas sobre fundo dourado, como os primitivos. Elas estão diante de algo indefinido. Às vezes, diante de fundo ourado, às vezes, de fundo cinza. Contra a luz, vez por outra, e com frequência com uma impenetrável escuridão atrás de si."

Rainer Maria Rilke in: "A melodia das coisas"

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Bobo da corte

Aprendi que... Quantas e quantas vezes afirmamos para nós mesmos isso: que aprendemos. Mas será mesmo que aprendemos? Ou afirmamos isso apenas como uma forma de tentar provar pra nós mesmos que talvez tenhamos quebrado a cara o suficiente para não cometer mais os mesmos erros? Difícil é você errar com você mesmo por conta do erro de outra pessoa. Ah, isso é imperdoável! Quem tem dó do coitado acaba no lugar dele. E isso é bem feito! Bem feito pra você que se compadece diante de qualquer lágrima de crocodilo e sempre dá chances para que as pessoas possam tentar mudar e ser quem você gostaria que elas fossem. E sabe o que você queria que elas fossem? Apenas sinceras o suficiente para não te magoar. Poxa, pedir demais? Esperança tola essa de querer apenas que a pessoa não te magoe. E o pior é quando láaaaaaa na frente (depois de muitas muitas e muitas chances), ela se achar a dona razão e virar o jogo contra você! E sabe o que eu acho? BEM FEITO! Pra que você possa continuar dizendo por aí que "Aprendi que...". Aprendeu sim, a ser mais uma vez vítima de si, das suas fraquezas, sensibilidade e falta de personalidade. Veste logo uma carapuça e assuma, de uma vez por todas, seu papel de bobo da corte.