Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

sábado, 29 de setembro de 2012

"Pode ser que eu nem conheça o amor
Minha alma desperta sonhos demais
Meu desejo é sempre assim
Pede um beijo e nega com a mesma boca

Você sabe onde me encontrar
Seu coração sempre soube onde me guardar
Dentro de mim
O amor me quer... assim"

A song to say a sing, single, loneliness...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nossa Senhora do Silêncio

Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Eu não sei quem tu és. Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Como não te sonhar? Como não te sonhar Senhora das Horas que passam? Madona das águas estagnadas e das algas mortas. Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa. Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono. Livra-me da religião, porque é suave; e da descrença porque é forte. Rezo a ti o meu amor porque o meu amor é já uma oração; mas nem te concebo como amada, nem te ergo ante mim como santa. Só tu, sol que não brilhas, alumias as cavernas, porque as cavernas são tuas filhas. Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta. Sê a Noite Total e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de distância e negação... Seja eu as dobras do teu manto, as jóias da tua tiara, e o ouro outro dos anéis dos teus dedos. Realizadora dos absurdos. Que o teu silêncio me embale, que o teu mero-ser me acaricie e me amacie e me conforte Anjo da Guarda dos abandonados. Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Mas tu, na tua vaga essência, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo uma realidade só tua. Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. Ocupas o intervalo dos meus pensamentos. Por isso eu não te penso nem te sinto. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua.

Fernando Pessoa

sábado, 22 de setembro de 2012

Prece

Que eu jamais desista da vida, de todas suas implicações. E que jamais desista do amor, de todas as suas inquietações.
Nessa de pensar que tudo é banalidade, que papai noel realmente não existe.
Que os sonhos da menina que ainda vive em mim jamais se tornem mulher, mas sejam meu apoio no momento em que a mulher que há em mim desmorona.
Que eu encontre forças em meio ao desespero. Coragem em meio ao desânimo.
Esperança em meio à calamidade. Fé frente ao desconhecido.
Que eu aprenda a ser a minha única e fiel companhia. Assim e para sempre.
Que assim seja. Amém.

Maysa Sales
"Quero tomar todo caminho de volta até aquele início, e tudo o que fiz não terá sido nada, terá sido menos do que varrer um umbral, ao qual o visitante seguinte trará novamente o rastro do caminho. Tenho séculos de paciência em mim e quero viver como se meu tempo fosse muito grande. Quero recolher-me de todas as dispersões, e dos usos muito precipitados quero ir buscar e poupar o que é meu. Mas ouço vozes com boas intenções e passos que se aproximam, e minhas portas se abrem... E quando procuro pessoas, elas não me aconselham nem sabem o que quero dizer. E com os livros também sou assim (assim indefeso), e eles também não me ajudam, como se também eles fossem humanos demais... Somente as coisas falam comigo.

(...)

Mas ainda me falta disciplina, o poder trabalhar e dever trabalhar pelos quais há anos anseio. Falta-me a força? Minha vontade está doente? É o sonho em mim que obstrui toda ação? Dias passam, e às vezes ouço a vida que se vai. E nada ainda aconteceu, ainda não há nada real ao meu redor; e sempre volto a me dividir e me esparramo, e apesar disso gostaria tanto de correr sobre um leite de rio e tornar-me grande. Pois - não é, Lou? -, assim deve ser; queremos ser como uma corrente e não entrar em canais e levar águas aos pastos? Não é, devemos nos conservar juntos e murmurar? Talvez, quando ficamos muito velhos, devêssemos um dia, bem no final, ceder, nos estender e desembocar num delta(...) Querida Lou!"

Rainer Maria Rilke, sempre no traço, no poros, como um estanque a arrancar-me a pele.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Raleando

Dói. Ver meu amor escorrer pelo ralo, como a preguiça de uma rotina qualquer.
Dói. Ver meus sonhos se esfarelarem, feito seu pão, que não me alimenta.
Dói. Não estar com você e não te ter.
Relembrar fotos, momentos pequenos, mas tão grandiosamente sublimes.
Voo sob seus passos, mas os perco. Que caminhos são esses? E que destinos confusos.
Fico inquieta. Quero seguir-te, só para me perder.
Seu amor é minha eterna perdição. Minha bengala caída. Meu amoleto quebrado. Minha perna bamba.
Sou sua aurora ofuscada. Sua morada perdida. Seu lar desolado.
Sou. És. Somos. Não seremos. Acabou.

Maysa Sales

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Vai passar

"(...)
De tanto antecipá-la em pensamento, hoje minhas palavras me atrasam.
(...)
Eu não quero que passe. Mas sei que vai passar.
Sei que o amor vai morrer desidratado, faminto, por absoluta falta de cuidado.
Vai passar, infelizmente.
Tudo o que a gente construiu junto vai passar.
Tudo o que a gente idealizou, inventou e armou vai passar.
O lugar no peito que recebia seu rosto para dormir vai passar.
Nossos apelidos, nossos chamados, nossas piadas vão passar.
Por mais que acredite que seja impossível, irei namorar de novo, me apaixonar, casar e rir docemente sem culpa.
Vai passar.
Não superamos os medos, sucumbimos na segunda crise, desistimos de insistir.
Somos fracos, somos influenciáveis, somos tolos.
Foi muita incompetência de nossa parte.
Não seremos inesquecíveis.
Vai passar".

Carpinejar

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

“Amor não tem garantia mas tem devolução. Pode começar do nada, pode acabar de repente, pode não ter fim. Mas tem sempre o meio. O amor é isso que você está vendo: Hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.”


Caio

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sou apenas ex

A delicadeza e liberdade de ser ex.
Ser ex é olhar pra trás e dizer: fui, mas já não estou.
É não querer retroceder, nem planejar mais um futuro, mas viver o hoje, assim, livre.
Ser ex é também injusto. Porque é ainda pertencimento.
Quando se diz ex, é manter eternamente um laço com aquilo que já não se é.
Coleciono meus exes. Sou ex-aluna, ex-funcionária, ex-amiga, ex-anônima, ex-ausente.
Sou ex-eu-mesmo. Ex-criança, ex-adolescente, ex-adulta e ex-senhora.
Sou ex nesse instante. Nesse instante mesmo que me perco. Nesse instante mesmo que me des-faço. Desfaço-me em eus, e cada eu que não me volta é um ex de mim mesma.
Não sou eu. Sou apenas ex.

Maysa Sales

sábado, 1 de setembro de 2012

Quanto a mim.
O amor passou.
Peço que não faça como a gente vulgar,
Que não me volte a cara quando passe por si,
Nem tenha de mim uma recordação
Em que entre o rancor.
Fiquemos, um perante o outro,
Como dois conhecidos desde a infância,
Que se amaram um pouco quando meninos,
E, embora na vida adulta
Sigam outras afeições, conservam sempre,
Num escaninho da alma,
A memória profunda do seu amor antigo e inútil

Álvaro de Campos