Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Cit[ação]

A palavra humana é como um caldeirão rachado, no qual batemos melodias próprias para fazer dançar os ursos, quando desejaríamos enternecer as estrelas.
Madame Bovary, Flaubert.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Rascunho

Mais um final de ano e já é possível perceber-nos pensativos, atentos, reflexivos. Procuramos na memória tudo aquilo que somou, subtraiu, isso assim, bem clichê mesmo. Clichê porque a vida também o é. Temos família, precisamos estudar, trabalhar, ter rotina, fazer sucesso, ser sempre forte e chorar, apenas se escondido. Somos assim, constantemente escravos de padrões e de responsabilidades. Isso é ser clichê, isso é ser ser. E hoje, vasculhando arquivos concretos, deparei-me com realidades ainda muito recentes e mesmo muito próximas. Realidades em palavras, concretizadas em gestos e em lágrimas. E em tolice. Acho que Deus às vezes permite que olhemos novamente nossos arquivos para que possamos lembrar de Sua misericórdia, de sempre nos revelar o oculto. E dói, dói mesmo. Dói mais ainda ver que deixaste sua vida virar uma bola de neve. Simplesmente guardaste dentro de um porão provas de desamor e fingiste esquecer, mas nunca te livraste de tanto mal. No fim das contas, te tornaste tua própria vítima. Réu, juiz e nada. Te escondeste dentro de uma sombra absolutamente vazia. E te perguntas por quê, e as respostas preferes deixá-las também guardadas. E muito mais te vem à memória, mas tanto turbilhão te deixa ainda mais atordoado. A esperança disso tudo, no fim das coisas, é que pelo menos sejam esses amaranhamentos tua libertação. Esse, um de teus desejos mais inalcançados.

Maysa Sales

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Incerto

A força do hábito nem sempre te traz tanta segurança. Às vezes só te faz mais pensativo, induzido também a várias coisas. Gostaria de revelar insensatez, murmúrios, desencantos, mas o tesouro ainda está guardado, e as chaves nem foram descobertas. Ficarei aqui, hoje e amanhã e talvez depois. Encontrarei-me, tecerei elogios, serei forte, ou simplesmente (in)acabada.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Perder

Amores são sempre, ou quase sempre assim...
de conquistas, de crescimento e, infelizmente, às vezes, são de perdas.
Mas que perdas? Há aquelas perdas de tempo, principalmente.
Entre brigas desnecessárias, ciúmes também desnecessários. Perdas de noites que poderiam ser de carinho, de amor e que acabam sendo noites de solidão, solidão por causa do orgulho, por causa de discussões, geralmente, irrelevantes.
Perdas de beijos apaixonados, de abraços apertados, de carinhos desconsertados...
Perdas de passeios simples, como ir a uma sorveteria e lambuzar a outra pessoa de sorvete, andar a pé na chuva, ir à padaria de mãos dadas, invejando aqueles que não podem fazer o mesmo, porque não têm um amor.
Perdas de telefonemas às 6h da manhã, às 02h, não importa, só para lembrar a pessoa de quanto você a ama e de quanto ela é imensuravelmente especial em sua vida.
Perdas de cartas, bilhetes, mensagens, e-mails, um recado dizendo coisas simples, bobas, banais, mas que são capazes de demonstrar que você 'perdeu' alguns minutos pensando naquela pessoa.
Quantas, quantas perdas... Quantas vezes a incompreensão e a falta de luz para enxergar o que a pessoa verdadeiramente está sentindo...
Quantas vezes se perde tempo mentindo, fazendo o outro perder a confiança.
O tempo passa. A vida passa. E somos reflexos do ontem. Devemos olhar adiante "com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança", mas somos sobrecarregados pelo fardo. O fardo da perda de fé e de esperança.

Maysa Sales

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Invisível

Capaz de recomeçar. Pedir perdão, perdoar. Seguir em frente... Apagar da memória o ontem, mantendo os olhos fixos no amanhã. Nunca. Nunca somos e seremos capazes de recomeçar. Há sempre manchas, feridas. O sangue que corre nas veias já perdeu seu caminho, não corre mais. A boca se emudece, a voz se dilacera. O pesar se desfaz. Corri, lutei, sou vencedor. Mas o troféu, esse não existiu. Nem mesmo eu. Parti então aonde pudesse existir, para que se concretizasse toda a enfermidade. Tudo é vão, tudo se perde. Nada é tudo. Maysa Sales

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Talvez esse aroma. Essa brisa estranha ainda me rodeie, talvez alguns desses sorrisos sejam mais destrambelhados que eu mesma, talvez nem eu saiba o que é isso tudo. Talvez nem queira mesmo saber... No final das contas, é sempre aquele rodeio, ciclo de pontas, entre-cortadas. Julgo não saber o inconsciente, pretendo apegar-me ainda mais ao meu vício.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Silêncio... sim

não sou o silêncio
que quer dizer palavras
ou bater palmas
pras performances do acaso

sou um rio de palavras
peço um minuto de silêncios
pausas valsas calmas penadas
e um pouco de esquecimento

apenas um e eu posso deixar o espaço
e estrelar este teatro
que se chama tempo

(Paulo Leminski)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Bodas de um então

Mais um encontro... em meio a tantos desencontros. Uma data, uma comemoração, um crescimento. Vivências tardias, o florescer de uma nova manhã. Um coração atento e detalhes instigantes, em negrumes e anis. Quisera, quem sabe, retroceder... outras datas... Salvação. Embriaguez proposital e dilacerante. Há palavras medeadas e um ser em exaustão, que procura e não se encontra. Outro dia, outra esperança, e uma fé sempre persistente. Há vacilos e tropeços e uma vontade intensa de não se deixar ficar. E ir... descalço, pé no chão, queimando-se ao sol, mas no chão. Um vento e uma liberdade, comprada a lágrimas, em dor, em angústia, em humilhação. Acalma-te, coração. Não é preciso se acelerar de novo. O novo se abre, uma nova brisa te refresca, num novo dia que é só TEU.

Maysa Sales

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Incompleto

Ah, solidão silenciosa, como me roubas meu pesar... Quando estás gritante, alarmas meu cansaço, desatas meus nós, e minha garganta sossega. Mas quanta inquietude nesse silêncio, exaspero-me em morbidez, e me desfaleço. Corrói a traça minhas forças e minha alma. Que alma? Que ser? Já não existem possíveis, apenas indecidíveis, náuseas sufocantes. E um tropeço, em vacilos. Pedras amorosas, amigas, aromatizantes. Sempre sedutoras, me levando ao fundo do mar, para avistar seres fantásticos, mas distantes, que me provam o que é a realidade. Voltar em si, quase em des-armonia faz-me criança, porém maior e superior a tudo que possa presenciar pequenez. A efemeridade está também na grandeza e se faz forte na dor, mas se eleva em grandeza quando em face da cruel e derradeira beleza. Miúdos entre-cortados, incompletos e infinitos. Extensão sem sentido, sobretudo fugaz.

Maysa Sales

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Breve o Dia

Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isto, pensado, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa, é vida.

Fernando Pessoa

domingo, 28 de agosto de 2011

Quase ritmo

Andei procurando a música da vida, da minha, da vida, de tudo, enfim. E minha frustração foi perceber que todos os outros sentidos se aguçavam e me pegavam. Senti cheiros, conhecidos e muitos outros ausentes. Pude sentir a brisa do mar, me convidando a experimentar o infinito e aquilo que não posso alcançar. Chorei, tive vontade de retroceder, pois não consigo ir além, muito além é sufocante. E desisti. Senti outro aroma, aquele de quanto te conheci, cheiro de medo, de dúvida, nenhuma paz. Apenas algo me impulsionando a ir de encontro a mim e aos meus sonhos. Fui e não consegui voltar. E o cheiro da solidão, o mais apurado, célebre, não me fez nada. Não chorei, não sorri, paralisei-me apenas. Ela sempre está ali, perto... E às vezes dou passagem, outras, já a escondo para que não fuja, nunca se sabe quando precisarei dela. E o cheiro de quando me inebrio de alegrias e risadas inconsequentes, rodopiantes. Giro também, no compasso de qualquer música, para tontear-me e perder a lucidez, até cair, como criança, e pensar 'tola'. E sinto, enfim, o cheiro de tudo que me pertence, de tudo que sou. E sinto novamente que não conseguirei, que, de tão embriagada, cairei e não lembrarei nem mesmo quem sou. Não faz diferença, eu nunca soube de nenhuma dessas verdades, e descobri-las faria-me desfalecer.

Maysa Sales

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Branco

Quando e como? Talvez, impreciso.
Não sei ao certo o quê nem para quê.
Olhar para a vida é aceitá-la. Aceitar-me.
Os erros, defeitos e erros. Sempre tão ferozes e sempre a devorar-me,
como criança indefesa e como adulta que ainda não me tornei.
Tento contemplar o belo e invisível
para, quem sabe, achar ali o outro lado da minha vida.
Rumos incertos, tropeços conscientes. E obstáculos, calcados e cuidadosamente decorados por mim. Auto-flagelação é a arma do negócio, que ironia.
E nada me vem para continuar. Nem letras, nem frases soltas, nem meus tropeços.
Talvez seja a hora de acabar.

Maysa Sales

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Um sopro, ou um vulcão

E está assim...
O vento parado, sem curva, atônito
Queria ele voltar a ser forte e até fazer barulho.
Mas isso é em vão. E já passou do tempo de ser eficaz. Não há razões claras, nem mesmo óbvias, para ser sagaz. Invencível. Impalpável.
Só ele sabe o que é correr de si mesmo... E alcançar-se. Mesmo em paradoxo.
Uma solidão conjunta e em harmonia. Sem necessidade de exteriores, até porque não havia nada além dele, sobre ele.
Decidiu assim... interromper seus conflitos, que já não tinham propósitos. Eram vazios, como o vento. E já estavam até sem cheiro e sem cor.
Tentou, quis voltar atrás, não queria se arrepender. Tentou buscar aquela força de outrora, reconquistá-la.
E por desventura do destino, percebeu, em infortúnio, que não se pode conquistar o que já é seu, e não se pode conquistar aquilo que jamais lhe pertencera.
E, ao defrontar-se com essa triste realidade, percebeu-se fraco e insolúvel. Vivera uma ilusão. Nunca fora forte, mas apenas um alguém que acreditava em uma fantasia. Cinzenta, nebulosa.

E, de repente, um vulcão se forma...
A tudo destruiu, não com a força que jamais lhe pertencera, mas com a força que, finalmente, conquistara.

Maysa Sales

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Quantas vezes eu assassinei o amor?


O amor nunca morre de morte natural. Añais Nin estava certa.

Morre porque o matamos ou o deixamos morrer.

Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelo abraço. Morre esfaqueado pelas costas. Morre eletrocutado pela sinceridade. Morre atropelado pela grosseria. Morre sufocado pela desavença.

Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa de sétimo dia.

Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as lembranças deslocados.

O amor não morre de velhice, em paz com a cama e com a fortuna dos dedos.

Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia morno. Uma indiferença. Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento.

O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida.

O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre homicídio. A boca estará estranhamente carregada.

Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti que o amor morresse. Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o corrimão. Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos.

No mínimo, merecia ser incriminado por omissão.

Mas talvez eu tenha matado meus amores. Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria quando não restava alegria.

Mato; não confesso e repito os rituais. Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. Durmo suando frio e disfarço que foi um pesadelo. Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o relacionamento. Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não houve testemunhas.
Mato porque não tolero o contraponto. A divergência. Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades inacabadas e falhas.

Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a verdade.

O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao armário o que temia rever.

O amor é sempre assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos saber o que fizemos antes com ela.

Fabrício Carpinejar

terça-feira, 14 de junho de 2011

...


Algumas coisas falam [muito] por nós



sexta-feira, 10 de junho de 2011

Cosaronhos

Sonhos guardados na estante do coração,
e o meu, fica entre a razão e a vontade.
Quero o não-ainda-quase-desejável-possuído.
Quero, mas não renuncio ao vão, ao insolúvel, inconcreto, permeável.
Não sei me desligar do incurável, da brecha fendida de desdores.
E, pela janela, próxima à estante, passam anseios, delírios, corrupções, desventuras, solidão.
De repente, e maldosamente, ambulam desconcertantes
e se apressam, e correm, e vacilam.
Me aproximo, e se apressam, e correm, e vacilam.
E me canso. Fatigada e desiludida.
E eis que o sol desponta, a lua aparece. E me canso.
E voas, cantando liberdades. E me canso.
E te procuro tão desconsertante. E choro.
E me incompreendo, e me inceito. E te quero.
Claridade, ao fundo daquele túnel inaceitável.
O quarto se abre e entra arcos e íris
Amiga, ter os pés no chão não significa que você não tenha asas.

Maysa Sales

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ombros largos e fortes

"Sabe, Misty, sempre achei que a vida se carregava nos ombros. Desde pequeno, queria ter ombros largos para carregar a vida com mais segurança. Quando cresci, ombros largos e fortes, homem viril, de valentia incontestável, parecia estar pronto pra sustentar a vida. Que nada! Descobri que ela é grande demais. Escorre pelas costas. Atrás de nós, por onde as mãos e os olhos não alcançam. Muitas coisas se formam ao chão. Por falta de habilidade. Essa, sim, é mais importante que ombros largos. Consegui, ao final de tudo, ser um homem correto, em dia com os meus princípios e também com as minhas dívidas. Descobri os mistérios que se escondem nas lápides, nos altares e debaixo dos lençóis. Conheci mesa farta, fiz muitos amigos e tornei-me pai. Acho que foi muito o que consegui da vida. O que escorreu pelas costas, meus olhos não puderam ver. Sabe, Misty, não olhe nunca para trás, quando a vida escorrer pelas costas. A vida só cabe na medida dos nossos ombros. É pra eles que devemos voltar nossos olhos."

André Amaro. In: Os gatos morrem no asfalto.

sábado, 7 de maio de 2011

O tempo passa, e você fica

O tempo passa, e você fica
Nem sempre é tão bom, mas nem sempre é tão ruim
Às vezes passa um senhor bondoso, cheio de histórias pra contar
da sua vida cheia de aventuras, de moço trabalhador e de adulto conservador
E você se encanta, com aquele sorriso espontâneo e sem medo, já que a vida já muito lhe ensinara... Então, agora seu sorriso é libertação.
E também passa uma criança com esse mesmo sorriso puro, mas de quem ainda não provou lágrimas de solidão e desventura. Sorriso que quer dizer "sou um anjo, deixe-me voar"...
E também passa aquele jovenzinho, já com o olhar desgastado de fitar o vazio. Vazio de não ter pra onde ir, onde morar, onde comer, o que vestir. De já saber que a vida não tem sentido além daquela rodoviária fétida e burburante de gentes que demonstram o mesmo olhar de perdição.
E passa a moça ansiosa, com pouco receio, mas feliz, preparando seu enlace com o amor que aguardara por toda a vida. E ele está lá, de mãos dadas com ela, esbanjando o mesmo sorriso. Passarinhos cantarolantes.
E passa outra senhora, pele enrugada, andando vagarosamente. Triste. Vendendo balinhas para ainda se sustentar. E aquele olhar que diz "nessa altura da vida, queria apenas minha casinha de sapê 'observando estrelas junto à foguerinha de papel'"
E em outro canto... passam moços, moças, esbanjando juventude, saúde, gargalhadas e descompromissos. 'Temos todo o tempo do mundo'.
E, de repente, passa você. Sozinha, artista, que esculpe todo esse quadro e se torna contemplador. A tudo observas. Queres adentrá-lo, mas como? Para quê? O não-conhecível te amedronta. Melhor não arriscar.
E deixa eles passarem... passarem.... passarem...
Deixo-me ficar.

Maysa Sales

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Purpuralma

Inquieto-me e não me encontro
Desolada nesse rio sem ondas
Não me movimento, não ando, não retraio
Estático. Esse é o mundo ao redor
Barcos me rodeiam, navios naufragam
e não me notam
Estou vestida de púrpura, majestosa
E exalo o meu melhor perfume
Daqueles de frasco pequeno, muito pequeno
Pequenez, alma feminina
Não te engrandeces
Não te engrandecem
Te diminuem, te ignoram
Alma. Invisível. Dentro do visível palpável
E lanço aos porcos minhas jóias
Me desfaço, me entrego, rendo-me
E levas-me... afundas-me,
Desfaleço em mim e não me encontro

Maysa Sales

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Restos

Deixa minha alma velha
Deixas
Ela se quer ir além do além
como forma de punição entre salvações
Basta de alegrias, banais, corriqueiras, mudas
No silêncio que ecoa, reverberam-se todos esses eus
Fétidos e malevolentes
Quis ter rugas, cabelos brancos. Preciso caracterizar-me
Ser aparência
pra mostrar essência ?
Já que é pra ser... deixa ser
Conseguirei desvendar-me em minha solidão
Os ruídos do outono já não fazem mais sentido
E é preciso calar
Só não sei se pra ouvir

Maysa Sales

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Outrora, beleza

Belo - forma material, forma o material, intransigentemente.
A capa que te cobre é reluzente e digna. Adorna o olfato, o paladar, o tato, a visão. Ah, a visão.
Mas tu te tornas conteúdo por causa de tua capa, ou tua capa que mostra o conteúdo? E ficas assim, em perfeita simetria?
Chegas mesmo a soar em nossos ouvidos uma canção, clara, bela, que magnifica o teu ser e te engrandece.
Em desatino, porém, teu cantar apobrece quando junto do bem-te-vi. Impureza, falsidade. Não vencerá a pureza da verdade.
A verdade não escapou dos olhos de quem viu. A capa perfeita a esconde, mas deixa brechas. E esvaem-se fortes odores e pesadelos. Desilusão.
De perfeito a impuro: não mais dignidade. Morte sem vida.
Ouve-se, agora, apenas o bem-te-vi cantando teu desencanto.

Maysa Sales

domingo, 10 de abril de 2011

Viverei fugindo, mas vivo a valer

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela Nunca me encontre.
Ser um é cadeia, Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de abril de 2011

In-vida

"Embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu..."

A morte glorifica. Desmistifica.
Realiza em si essa incompletude humana que não se justifica no viver
Aliás, propósito displiscente esse chamado vida
Pois não se pergunta se a se quer, impõe-se
E esse jogo de data marcada, mas sem fim revelado, aprisiona
Amedronta, aterroriza
Deixa os seres em sua insignificância e mostra que ela é quem tem o controle desses pobres e ignorantes
Que ignoram mesmo. Eis o mal em si
Preferem IGNORAR o indesvendável e omitir sua existência
E, dessa forma, conseguem cravar seu próprio buraco, literalmente.
E é isso que ela, a morte, pensa... e ri, sorri, gargalha
Hipócritas, sujos ignorantes! Risos, risos, risos.
E do riso fez-se o pranto, já dizia o poeta
Foi embora tão cedo, pobre rapaz, e era um sujeito singular...
Aquele que odiara se falsifica ante a glorificação. Doce ironia
Ensaio talvez de sua posterior plenitude, pois também será glorificado, da mesma forma, pelo seu inimigo.
Fechando o ciclo natural de exaltar aquele que se foi, guardião agora da verdade, suprema,
Sendo agora desvendor do mistério de outrora
Causando mais que inveja àqueles que ficarão, pulsantes, ora, tão pulsantes, que enoja
Até receberem a mesma dádiva, impulsional.

Maysa Sales




sábado, 19 de março de 2011

Isso e mais um pouco

Ando com uma vontade tão grande de receber todos os afetos, todos os carinhos, todas as atenções. Quero colo, quero beijo, quero cafuné, abraço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros, quero parar de me doar e começar a receber. Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências. Eu vou gostando, eu vou cuidando, eu vou desculpando, eu vou superando, eu vou compreendendo, eu vou relevando, eu vou… e continuo indo, assim, desse jeito, sem virar páginas, sem colocar pontos. E vou dando muito de mim, e aceitando o pouquinho que os outros tem para me dar.

Caio Fernando Abreu

sábado, 12 de março de 2011

Poema escondido

Te deixei guardado na curva do vento e na estante da memória
Você quis ficar lá. Não me culpe agora por uma escolha unicamente sua
Quiseste, recordo-me, ficar para esquecer e enterrar aquele segredo ínfimo, mas tão precioso
Não querias compartilhá-lo com os próximos estranhos
Mas de tanto querer guardá-lo, ficaste tu mesmo deserdado, aprisionado, sufocado.
Heis que por ora queres libertar-se do mal feito, bem feito, por sinal
Quereis desatar o nó da garganta que outrora perdera-se no precipício
Quereis renascer
Porém, apenas erga-se. Aqueça-se na lareira e respire aquele novo ar
Deixe-se estar que depois de ti virão todos os outros,
ó composições de minh'alma, em versos brancos e cheios de tanto vazio.

Maysa Sales

quarta-feira, 9 de março de 2011

Canção Excêntrica - Cecília Meireles


Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

No princípio era o verbo

Uma explosão, um novo big bang se formando...
e desmistificando teorias inacabadas de mim mesma
Onde, como, por quê, quando...
Muitas perguntas para nenhuma resposta
E fico ali, na espreita, deixando o lado criatura para tornar-me criador
Ah, quanto querer... Ah, poder, ter, sentir, viver, controlar
Controlar cada impulso indevido, incoerente, errado
Poder arrancar cada peça irrelevante, desnecessária
Peça de enfeite que enfeia a alma
Ter o poder de querer sentir para controlar o viver
Seria essa a sequência certa e natural dos constituintes?
Controlar o sentir para poder querer viver
Querer controlar para ter poder para viver e sentir
Sentir poder para controlar o querer de viver
E eis que chego em um resultado não tão diferente de outrora
Querer, poder, ter, sentir, viver, controlar
No princípio era o verbo, e o verbo se complementa, se desfaz, se transforma, em infinitas metamorfoses.

Maysa Sales

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Quero-quero

Quero-te-quero-como-quero
Mais que um querer,
Mais que a mim,
Mesmo que no fim.... não seja mais o mesmo
Mesmo se nos perdemos nessa loucura de nos encontrar
Ainda que nada seja encontrado
Perder-se é preciso e não menos ruim
Tantos caminhos percorri até aqui
Perder-se talvez seja mais que solução
um desencontro para fugir da solidão, do perigo de viver só
Só-la-si-dó de dó-ré-mi
Mudarei também esse canto
que de triste e de pranto
será infinito e santo
de uma leveza pura e singela
Colorida aquarela
profunda e límpida como o mar,
brilhosa e fecunda como aquela estrela
que em anos luz vem para te iluminar
Cantarei para ti, meu bem-te-vi, meu-bem-querer
à luz do sol ou do luar
Em nosso mais-que-infinito-particular

Maysa Sales


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Nem um, nem outro

Um jogo chamado V.I.D.A.
Em que você tem dia e hora marcadas para entrar
Num dia de sol de primavera, ou num dia chuvoso de inverno.
Tanto faz. Esses mesmos dias se repetirão durante todo o jogo
E terás a oportunidade de contemplar (ou não) cada um deles
Os dias de sol se repetem constantemente, mesmo que você não perceba...
Se repete naquele dia em que vc acorda e percebe que tem ao seu lado
as melhores pessoas do mundo, que te apoiam e te admiram.
Naquele dia em que você é promovido a um cargo tão esperado, ou
é aprovado em um certame com o qual tanto sonhara
E naquele em que você recebe um presente inesperado, de uma pessoa inesperada
Ou quando você encontra alguém que tem os mesmos gostos que os seus,
que fala de besteiras e ri delas como você...
E tantos e tantos e tantos outros dias de sol que se escondem por trás de um céu nublado
Mas eis que surge um desatino. Chuva
No dia em que você acorda atrasado, perde o ônibus, é assaltado
Ainda naquele que se perde (pra sempre) as pessoas que mais ama...
e também naquele em que você vê sofrer quem tanto te fez e faz bem
Dia de nuvens sobrecarregadas
pelo fardo, pela dor, pela desilusão
E escondendo o sol...
Sim, ela está pesada justamente para não deixar os raios penetrarem a terra...
Não, ela quer ser unicamente o centro da atenção, suscitar dúvidas nos corações ansiosos por um brilho solar
E quem disse que também não há aqueles ansiosos para que ela se descarregue simplesmente para contemplar o orvalho, a neblina, as gotas caindo como num ritual de um coro, sôfrego e alegre?
Quem foi que disse que não há beleza no chover, no descarregar-se?
Chove, chuva, e molhe toda essa terra. Faça brotar as mais lindas flores e frutos
Mas não se demore muito, porque elas também precisam de calor.

Maysa Sales

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Here I am, Majesty


Your grace has found me just as I am, empty handed but alive in Your hands

Forever I am changed by Your love. Here I stand… Knowing that I’m Your desire, sanctified by glory and fire…

Confiar em Deus que está sempre, sempre, sempre de braços abertos a nos acolher...

Senhor da Glória, cubra-nos sempre com o seu amor e Sua infinita misericórdia e Nos ajude a sempre ter fé, esperança e amor em todos os momentos de nossas vidas...

Obrigada, Senhor, por nunca nos desamparar. Mesmo que às vezes seja tão difícil entender seus propósitos, ou até mesmo difícil de aceitar, perdoa-nos por não saber esperar unicamente em Ti.

Glórias e louvores a Ti, ó Pai, Filho e Espírito Santo! E Interceda por nós, Maria Santíssima.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Saudade descompassada

Essa inimiga chamada saudade
Daquilo que não vi, do que já se foi e do que ainda virá
De não sei o quê, que vem não sei de onde...
que corrói por dentro e me faz sentir pequena, frágil, indiferente
E eis que não consigo fugir dela. Ela me persegue como um cão feroz
Como o mais feroz... Aquela saudade que apunhala
No sentir-se sozinho em meio à multidão de gentes, gentes, gentes,
que vão e vem... em seus passos compassados e rítmicos...
Na pressa do relógio que tique-taque-teia num ritmo mórbido e inconsequente
que tortura e massacra
Como um fel... Ferida que se fere sem se ferir
Ó triste ausência, que arranca um pedaço de mim e nunca se completa
Ó infinita incompletude, que insiste em ser cruel...
Ó infinitas reticências, que preenchem o vazio dessa alma
...

Maysa Sales

domingo, 30 de janeiro de 2011

Serás querubim

Chora coração, sangra coração,
que se deixa ferir
Mas não, não se despedace assim
Não se deixe ir tão facilmente
Resista
Que eis que todo o ser precisa de ti
Precisa que batas, que pulses
Sangue que conserva a alma de pé
Fiel e tolerante
Quereis ser como aquele pássaro que voa, voa, voa,voa...
Que ao longe no horizonte desaparece
Mas não possuís asas, como quereis, portanto, voar?
Fique, fique, que brotarás em ti a mais-perfeita-rosa
do mais-perfeito-jardim
E te tornarás então mais-perfeito-querubim
que voa, voa, voa, voa....
Com os pés no chão

Maysa Sales

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Talvez, Suficiente



Sonhos, caminhos, escolhas. Desejo.
A cada dia renová-lo, buscando o suficiente.
O suficiente para amar o próximo.
Sabedoria suficiente para saber tomar as decisões diante da vida.
Temor a Deus suficiente para amá-Lo sobre todas as coisas.
Felicidade, carisma e simpatia suficientes para tornar a rotina menos massacrante.
Compaixão, caridade, solidariedade suficientes para poder ajudar o irmão.
E desejar menos. Menos tristeza, menos tormentos, menos desespero, menos dúvida, menos solidão.
Desejar esses menos, por fazerem parte do crescimento humano, mas na medida certa.
E, acima de tudo, discernimento para ponderar as medidas de todas as doses de sentimentos aos quais somos submetidos.
Jamais perder a fé, em Deus e na vida, pois é preciso força para lutar no dia a dia.
Talvez isso possa ser uma das luzes que iluminam o caminho que devemos percorrer.
Talvez.

Maysa Sales


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ambulante e estático


Deixe-me com meus pensamentos mirabolantes
Com minha ideia torta
Desconstruída
Indiferente
Do mundo, das coisas, da vida
Do abstrato, do concreto, da fantasia
Eis a parte de mim mesma
Uma meia e incompleta metamorfose, preteofose
Que corre, que se desfaz
A mistura corriqueira e banal que agora se concretiza
Talvez para libertação, ou mesmo aprisionamento
A antítese faz parte. Ela é a verdade
A completude de tudo que há
Uma completude inacabada de nós mesmos
Uma completude que se acaba em nós mesmos
Mundos, cores, deixa ser, deixa estar
Deixe-me estar. Deixe-me assim
No meu mundo inconcreto, surreal e verdadeiro

Maysa Sales

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Do mesmo


(quadro de Salvador Dalí)


O amor me obedece, ainda que atravesse meu coração
com suas flechas e que agite e branda as suas tochas.
Mais violentamente o amor me transpasse,
mais violentamente ele me abrase,
melhor saberei me vingar das feridas que ele me fez.

Ovídio. In: A arte de amar

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Acabou indo embora, cedo demais


"Eu descobri sem a gramática que saudade não tem tradução"
E muito mais que isso. Descobri que algumas saudades simplesmente são eternas.
Sentimos saudade do tempo de criança, em que não sabíamos exatamente o que era crueldade e tristeza. O que sabíamos sobre elas era que crueldade se resumia a quando nossa mãe não nos deixava ir brincar na casa do amiguinho, o que nos dava uma grande tristeza.
Fantasiávamos um mundo colorido, de paz, amor, de união. Em que todos eram felizes.
Pena é perceber que crescemos e encaramos que a realidade é outra.
Encaramos uma realidade de perdas, decepção e solidão.
Perdas de pessoas que nos formaram, que nos ajudaram a ser quem agora somos.
Olho pra trás e o que lembro são o afeto e carinho de minha avó. De como, quando havia festas aqui em casa, e a casa era preenchida, porque ela estava presente. Em contrapartida, agora, o que há é um vazio da família que ninguém consegue preencher.
Lembro, simplesmente, o quão ela foi minha mãezona.
Que me levava à igreja desde pequena, me ensinando os caminhos de Deus.
As vezes em que me ensinava a perdoar, a amar o meu irmão, a ter paciência.
E também as vezes que me dizia não. Que me dava broncas. Isso porque me amava.
Olho também para o meu avô e lembro de como eu era uma filha sua, não neta.
Da forma como me dengava e até era injusto com meus primos porque me superprotegia.
De quando ele criava canções, poemas, apenas pra mim!
De quando me chamava de nega véia rsrs
E ele é meu avohai, avô e pai.
E ela é minha mocinha.
E eu... uma neta orgulhosa pelos avós que teve.
E a vida segue, trabalho, amigos... "só que neste mundo o verão acabou...".

Maysa Sales



terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Em vão (ou no vão?)

Há tempos de incerteza, devaneios, escuridão
Há tempos de certeza, realidade e luz
E há tempos de ambos. Numa mistura insolúvel
O oposto que se esconde
Que se deixa mostrar
Nada além, e muito além do visível
Não me deixa ficar. Não me deixa partir
Esvai-se numa cinza que era chama e se queimou

Maysa Sales