Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

sábado, 19 de março de 2011

Isso e mais um pouco

Ando com uma vontade tão grande de receber todos os afetos, todos os carinhos, todas as atenções. Quero colo, quero beijo, quero cafuné, abraço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros, quero parar de me doar e começar a receber. Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos, colocar pontos finais. Comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências. Eu vou gostando, eu vou cuidando, eu vou desculpando, eu vou superando, eu vou compreendendo, eu vou relevando, eu vou… e continuo indo, assim, desse jeito, sem virar páginas, sem colocar pontos. E vou dando muito de mim, e aceitando o pouquinho que os outros tem para me dar.

Caio Fernando Abreu

sábado, 12 de março de 2011

Poema escondido

Te deixei guardado na curva do vento e na estante da memória
Você quis ficar lá. Não me culpe agora por uma escolha unicamente sua
Quiseste, recordo-me, ficar para esquecer e enterrar aquele segredo ínfimo, mas tão precioso
Não querias compartilhá-lo com os próximos estranhos
Mas de tanto querer guardá-lo, ficaste tu mesmo deserdado, aprisionado, sufocado.
Heis que por ora queres libertar-se do mal feito, bem feito, por sinal
Quereis desatar o nó da garganta que outrora perdera-se no precipício
Quereis renascer
Porém, apenas erga-se. Aqueça-se na lareira e respire aquele novo ar
Deixe-se estar que depois de ti virão todos os outros,
ó composições de minh'alma, em versos brancos e cheios de tanto vazio.

Maysa Sales

quarta-feira, 9 de março de 2011

Canção Excêntrica - Cecília Meireles


Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.