Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Saudade

Se existe dia até de finados, por que não existiria o dia da saudade, aquela palavrinha que só existe em português?
Sentir saudade é sublime, pois só a sentimos quando algo ou alguém nos marcou. Ninguém sente saudade daquele trabalho ruim, mas, com certeza, sentirá saudade dos amigos que lá encontrou, das horas de almoço de desabafos. Ninguém sente saudade das brigas com o namorado, mas, com certeza, sentirá saudade do momento da reconciliação. Sinto saudade de abraçar minha avó e pedir bênção. Sinto saudade daquele tio que respondia à bênção dizendo "Deus te faça feliz". Sinto muita, muita saudade do meu pai e de tudo aquilo que poderia ter vivido se ele estivesse ao meu lado, e já sinto saudade dele na entrada do meu casamento. Sinto saudade de quando voltava da escola, pensando e fantasiando tanta coisa, naqueles momentos em que eu já sentia saudade desse futuro, que agora já é tão presente. Sinto saudade dos meus sonhos, das minhas expectativas, das minhas esperanças, do frio na barriga, do colo que me aconhegava, da timidez, da descoberta e tanta do meu futuro. E sinto saudade e me alegro e rodopio e me desfaleço em saber que sentir saudade é o preço de viver e é o preço de deixar.

Maysa Sales

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Encontrar-se

Quando me encontrei comigo, eu estava de passagem. Gostei tanto de quem conheci que resolvi andar junto, lado a lado, dentro. Eu introjetei em mim aquela pessoa que, finalmente, não estava mais vivendo levianamente, mas participando verdadeiramente da realidade. Foi estando muito lúcida que pude me embriagar de arte e deixar minha imaginação inventar os caminhos que ela trilharia. Conheci paisagens, às vezes, muito familiares, mas o meu olhar era inédito.
Não sou mais imediatista quando me faço companhia, pois essa nova pessoa respeita o seu próprio tempo.Por isso, também é preciso evitar alguns lugares, pessoas, antigos hábitos e pensamentos. O passado só me cabe para servir como base para o que tenho me tornado. Cada dia eu amanheço numa página em branco e vou dormir numa outra cheia de coisas que escrevi e vivenciei. A única garantia é que nem sempre encontro o que procuro, mas sempre busco o estado e o lugar mais confortáveis para mim. Eu mereço experienciar esta fascinação pela vida e a liberdade de ser exuberante e transformar o chão em céu, o mar em útero, meu corpo em Templo. Respeito os que vivem de outro modo, porque meu caminho não é o certo nem o único, é o que eu escolhi para mim quando lancei mão do meu livre arbítrio.
E nasci apaixonada pelo amor, mas só agora, me fazendo companhia, é que ele deixou de ser uma palavra para se tornar uma experiência.
Sou muito grata por estar na esquina aonde eu estava passando e por ter me dado a mão. Caminhamos juntas: eu comigo mesma!

Marla de Queiroz

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Às vezes, livros

As pessoas são como livros. Você olha, de primeiro a capa, às vezes ao longe. Se aproxima para ver melhor o nome e sua descrição. Às vezes você já quer de primeira! Já outras, você guarda na memória para um outro dia. Alguns são difíceis de entender, mas, mesmo assim, você não desiste (até vê isso como um desafio); já outras vezes percebe que, mesmo sendo muito interessante, não lhe é cabível. Alguns não falam a sua língua, por isso precisam de tradução; há alguns que a tradução é horrível e nem compensa a leitura. Há também aqueles que vêm dedicados especialmente para você, já outros que não merecem dedicatória.
Às vezes você se apaixona pelo cheiro... pela forma, pelo conteúdo. Há livros que nos metem medo, já outros nem nos chamam a atenção. Às vezes... Os livros...

Desabafo de um dia que poderia ser mais frutífero. Ou mais livresco. Ou mais às vezes.

Maysa Sales

I see you

Recentemente, lembrei-me de uma cena de "Avatar". Isso é muito pra mim que tem amnésias de filmes. Não sai da minha cabeça aquela cena em que a Zoë Saldaña olha para Jake (o ex-fuzileiro, agora cadeirante). Ela já está apaixonada pelo rapaz e lhe diz: "I see you". Na linguagem desses nativos, a forma de dizer a alguém que você o ama é assim "I see you". Pode-se pensar uma tradução bem simples para o português para "Eu te vejo", mas "Eu vejo você" marca mais evidentemente quem são os sujeitos envolvidos.
Como essa cena não sai da minha cabeça, ando pensando justamente nisso. Amar é ver alguém. Não é qualquer alguém, pois, diante de milhões de pessoas, que vão e vêm, você de repente VÊ apenas uma. Elege, prefere, escolhe. Gasta suas energias para fazê-la sentir o que você pensa dela, que ela é única. Gasta seu escasso e preciosíssimo tempo a contemplá-la sorrindo. Sonha, dorme, acorda, veste a roupa, vai para o trabalho, volta do trabalho, sonha, dorme... e seu pensamento ali, pousado como uma abelha insistente, no colo que te abriga.
O amor se resume a essa visão. O tato é uma visão. O olfato é uma visão. A audição... Ah como, é. Assim infinitamente na fala. Os sentidos são a visão de ser humano. O querer é a demonstração ampla do aceitar. De dizer "sim" ao que a visão te concede. De dizer "sim" a alianças do infinito. De se permitir ver-se no outro, que é tão seu. De ver do outro lado um rosto que te pertence e que está tão perto de si, do lado esquerdo.
Amar é ver.

Maysa Sales

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Quebra-cabeça

Não sei o porquê de ficar tão impressionada com a movimentação da vida.
Um dia faz calor, outro dia faz frio, muito frio. Num dia você está a 1700 km de sua casa, no outro, já está dormindo na sua cama.
E a vida vai indo assim... Você vê seus primos crescendo, outros nascendo, e outros morrendo. E essa não estaticidade da vida às vezes me assusta.
Assusta porque não dá para pará-la. E, cada segundo que vivemos, já nos escapa, e um outro escapa novamente. A vida talvez seja isso: um escapamento, ou tomando de emprestado Derrida, um rastro. Aquilo que não tem origem, mas é já em si uma origem, uma origem que se perde e se confunde no ontem, já no hoje, que já é carregado de tanto amanhã.
E as pessoas também são para a vida como peças de um quebra-cabeça. Mas é um quebra-cabeça infinito. Quando se pensa que já está ajustado, lá vem a vida e troca as peças de lugar. Odeio ser uma peça, não gosto de sair do meu posto de conforto. Tenho medo de não me ajustar. Mas o que é muito interessante é perceber que sempre me ajusto. E que o medo faz de mim uma vencedora. Se eu tive medo do abismo, lancei-me infinitamente nele. Fechei os olhos, abri os braços e fui... Ainda não caí, o abismo é mesmo infinito! Será? Ainda há muita luz, às vezes fica escuro. Não sei se o escuro se dá quando fecho os olhos, porque aqui anda muitíssimo iluminado, ou se a escuridão é o rastro de alguém que já passou e está ofuscando a luz. Bem, o importante é que estou seguindo. "O infinito é realmente um dos deuses mais lindos".

Era pra ser sobre movimentação, mas acabou sendo um quebra-cabeça. Ainda estou quebrando a cabeça para entender o que finalmente queria dizer com tudo isso.

Maysa Sales

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O poeta inventa viagem, retorno e morre de saudade IV

Tenho pedido a Deus, e à lua, ontem
Hoje, a cada noite, PERPETUIDADE
Desde o instante em que me soube tua.
E que o luar e o divino perdoassem
O meu rosto anterior, rosto-menino
Travestido de aroma, despudor contente
De sua brevidade em tudo, nos afetos
No fingido amor
Porque fui tudo isso, bruxa, duende
Desengano e desgosto quase sempre.
Mais nada pedi a Deus. Mas pedi mais
À lua: que tu sofresses tanto quanto eu.

Hilda Hilst