Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Multiface

Um dia ouvi que eu era a pessoa mais importante para alguém. Na época, aquilo era essencial para mim: ser promovida pela reciprocidade. E o tempo, imperador dos destinos todos, desgastou os mármores, mas manteve intacto aquele amor: ele sobreviveu à relação finda. E eu perdera o meu alto cargo de importância para aquele alguém. Convalescente, mas em recuperação da suposta infelicidade de um ego magoado, tive que descobrir outra forma de amor: uma espécie rara que dá perenidade ao bem-estar e põe o ego em seu lugar. Eu me tornei a pessoa mais importante para mim. Quem poderia me tomar isto? O tempo? Hoje, as pessoas vão e vêm. Recebo-as, rejeito-as, tolero ou amo. A poesia não me tira os sentimentos vis, nem as doçuras de um ser humano. Um dia me chamaram de radical. Aceitei: só eu sei a importância que as coisas têm para mim e o propósito de mantê-las ou não na minha vida. Em outra ocasião, me chamaram de amorosa. Compreendi: pessoas amoráveis extraem o que tenho de melhor. Já me disseram que pareço um personagem. Entendi: sendo povoada por tantas, quão imprevisível posso ser na liberdade que me permito ter. Não me importo com o que julgam, sempre serei espelho e sempre terei o Outro como meu espelho. Somos extensão. Estejamos ou não em harmonia ou comunhão, dedico carinhosamente o meu tempo compartilhando minha nudez. Aos que veem máscaras e vestes, sou impotente a estas leituras. Aos que veem generosidade e amparo, sou impotente à beleza que me dão. Sou impotente ao olhar alheio. Não tenho o controle de absolutamente nada, mas o meu trabalho consiste em eu não me rejeitar.

Diariamente eu fortaleço minha autoestima assim:
Hoje, nem que seja apenas hoje, eu sou a pessoa mais importante para mim.

Que assim eu esteja.

Que assim seja.

Marla de Queiroz

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Pra acabar

... Mais ínfimo, mais secreto, mais banal.
O amor. É tão pequeno, tão miúdo, tão abstrato, que não cabe na concha das mãos, e se engana quem acha que ele cabe no coração. Ele cabe em si e ponto. Não se deixa ficar, não cria ninho. Ele vira sangue, água, luz, escuridão. Se o homem ainda não descobriu a fórmula de ser mutante, é só perguntar pro amor. Com certeza, ele terá a resposta na ponta da língua. O amor é muito é confuso, ah, isso sim. Porque ele vai além da vida. E além da morte. É além dos sentidos. E além do ser. Ele vai, volta, repousa, anda, cospe, chove, não molha, reproduz e nasce. E se recria e se reinventa. Voa, viaja, cai de paraquedas, vai a Marte e ao Japão. Vira rima, vira verso, vira ponto de interrogação. E não se permite começar nem acabar.

Maysa Sales



Amor, então
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

a noite
me pinga uma estrela no olho
e passa

Paulo Leminski in Caprichos e relaxos