Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Restos

Deixa minha alma velha
Deixas
Ela se quer ir além do além
como forma de punição entre salvações
Basta de alegrias, banais, corriqueiras, mudas
No silêncio que ecoa, reverberam-se todos esses eus
Fétidos e malevolentes
Quis ter rugas, cabelos brancos. Preciso caracterizar-me
Ser aparência
pra mostrar essência ?
Já que é pra ser... deixa ser
Conseguirei desvendar-me em minha solidão
Os ruídos do outono já não fazem mais sentido
E é preciso calar
Só não sei se pra ouvir

Maysa Sales

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Outrora, beleza

Belo - forma material, forma o material, intransigentemente.
A capa que te cobre é reluzente e digna. Adorna o olfato, o paladar, o tato, a visão. Ah, a visão.
Mas tu te tornas conteúdo por causa de tua capa, ou tua capa que mostra o conteúdo? E ficas assim, em perfeita simetria?
Chegas mesmo a soar em nossos ouvidos uma canção, clara, bela, que magnifica o teu ser e te engrandece.
Em desatino, porém, teu cantar apobrece quando junto do bem-te-vi. Impureza, falsidade. Não vencerá a pureza da verdade.
A verdade não escapou dos olhos de quem viu. A capa perfeita a esconde, mas deixa brechas. E esvaem-se fortes odores e pesadelos. Desilusão.
De perfeito a impuro: não mais dignidade. Morte sem vida.
Ouve-se, agora, apenas o bem-te-vi cantando teu desencanto.

Maysa Sales

domingo, 10 de abril de 2011

Viverei fugindo, mas vivo a valer

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela Nunca me encontre.
Ser um é cadeia, Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de abril de 2011

In-vida

"Embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu..."

A morte glorifica. Desmistifica.
Realiza em si essa incompletude humana que não se justifica no viver
Aliás, propósito displiscente esse chamado vida
Pois não se pergunta se a se quer, impõe-se
E esse jogo de data marcada, mas sem fim revelado, aprisiona
Amedronta, aterroriza
Deixa os seres em sua insignificância e mostra que ela é quem tem o controle desses pobres e ignorantes
Que ignoram mesmo. Eis o mal em si
Preferem IGNORAR o indesvendável e omitir sua existência
E, dessa forma, conseguem cravar seu próprio buraco, literalmente.
E é isso que ela, a morte, pensa... e ri, sorri, gargalha
Hipócritas, sujos ignorantes! Risos, risos, risos.
E do riso fez-se o pranto, já dizia o poeta
Foi embora tão cedo, pobre rapaz, e era um sujeito singular...
Aquele que odiara se falsifica ante a glorificação. Doce ironia
Ensaio talvez de sua posterior plenitude, pois também será glorificado, da mesma forma, pelo seu inimigo.
Fechando o ciclo natural de exaltar aquele que se foi, guardião agora da verdade, suprema,
Sendo agora desvendor do mistério de outrora
Causando mais que inveja àqueles que ficarão, pulsantes, ora, tão pulsantes, que enoja
Até receberem a mesma dádiva, impulsional.

Maysa Sales