Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Retroceder e recomeçar

Clichê. Mas é o que posso trazer de mais sincero hoje.
Preciso recomeçar.
Não sei como ainda. Me pego adiando, por isso.
Encerrei ciclos. E me resetei.
Mas ainda há um grito soterrado dentro de mim.
Pedindo socorro.
Talvez eu finja ser um sussurro.
Para abafá-lo.
E o sufoco a cada negativa.
Preciso ir. E deixar ficar.
Permanecer.
Preciso ouvir.
E deixar ficar.
E eis que me pego dizendo em mim, eu que sempre falei no se, no si.
Mudamos as roupagens à medida que crescemos.
Pois certas medidas não nos cabem mais. E sufocam.
E viram mais um clichê.
Na banalidade da vida.
Que é essa banalidade.
E esse clichê.
Preciso ir.
E deixar ficar.

Maysa Sales


domingo, 4 de janeiro de 2015

Morte e vida

"Sim. No amor. Dizem que o amor morre entre duas pessoas. É mentira. Não morre. Simplesmente abandona você, vai embora, se você não é bom o bastante, digno o bastante. Não morre, quem morre é você. É como o oceano: se você não presta, se começa a empesteá-lo, ele te cospe fora em alguma parte para morrer. Você morre de qualquer jeito, mas prefiro me afogar no oceano a ser vomitada numa faixa perdida de praia e acabar secada pelo sol até me tornar uma mancha suja sem nome, com apenas: Isto foi como epitáfio."

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Raiar

O pôr do sol que raia também escurece.
A luz que se acende facilmente apaga-se
como um raio de sol
que longe vai
aonde não se quer ir
e voa longe...

Maysa Sales

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Amanhã e agora

QUANDO A BRASA do meu cigarro
tocou na ponta do seu cigarro
a ponta do seu cigarro também
virou brasa como a ponta do meu
cigarro e ambos se fundiram
num beijo incandescente de luckstrikes


Gregorio Duvivier in A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Um ponto solto, entre

Hoje me peguei pensando em tanta coisa.
E coisa integra um mundo inteiro de palavras ditas e não ditas.
Dessas que escondem aquilo que não se quer mostrar.
Me vi agraciada. E ri sozinha. Cantando aquela música brega que tocava no rádio.
E até observei o quanto ela era linda.
Enxergar a beleza às vezes é uma falta de tropeço.
Esbarrar-se em suas próprias angústias é um pouquinho de fortaleza.
Vim sentindo aquela energia de um sol que ainda estava escondido em meio às estrelas.
E tentei enxergá-las com a mesma precisão de um cego.
Quanta luz vinda dos automóveis. Que não sei pra onde é que vão tanto.
Correndo sempre demais... Para se chegar talvez, sempre, ao mesmo lugar.
Queria também desintegrar esses blocos de raios, mas sou tanto humana quanto aquela rosa que murchou.
Queria poder "ver no escuro do mundo..." e descobrir, quem sabe, "quais são as cores e as coisas"...
Mas para que tanto? Basta a graciedade dessas tantas coisas,
que, bem lá no fundo, se coisificam, nisso, que chamamos de amor.

Maysa Sales

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Via Láctea

"Saia desta vida de migalhas
Desses homens que te tratam
Como um vento que passou

Caia na realidade, fada
Olha bem na minha cara
Me confessa que gostou
Do meu papo bom
Do meu jeito são
Do meu sarro, do meu som
Dos meus toques pra você mudar

Pára de fingir que não repara
Nas verdades que eu te falo
Dê um pouco de atenção

Parta, pegue um avião, reparta
Sonhar só não dá em nada
É uma festa na prisão

Nosso tempo é bom
E nem vemos de montão
Deixa eu te levar então
Pra onde eu sei que a gente vai brilhar"


A vida é como aquele texto engasgado, no meio da garganta.
Não entra ar o que acabou de sair, nem sai o ar que acabou de entrar.
Às vezes o que precisamos na vida é engasgar-se.
Pra ver até onde ainda tem ar e pra ver onde ainda tem saliva.
Mas o medo nos bloqueia e corrompe todas as veias.
E há quem prefira não lidar com o imprevisível tão belo.

Maysa Sales

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Vivo-morto

Por que vivo morto?
Tem gente que enquanto vive morre um pouquinho a cada dia.
Tem gente que morre e vive infinitamente mais.
Naquela foto, naquela carta, naquela lembrança.
No porta-retrato vazio e tão cheio de um amanhã que não chegou.
Naquela despedida fria e morna.
Ou naquela despedida que nem aconteceu.
E que morreu sufocada.
De olhares que se calaram, de vozes que se abafaram.
Do aperto profundo daquele peito.
De anéis jogados ao vento.
De lembranças desenraízadas e desmemoriadas.
Vidas que gritam por tanto amanhã e gritos mortos de tanto passado.
Holograma. Está, mas não está. Se desfaz, se irrompe, não reverbera.
Ou reverbera. Naquele momento em que é para sempre.
Para nunca.
Enterrar é doloroso é ratificar para si que acabou. Fim da linha.
Game over. Deadline.

Maysa Sales