Distribuir palavras talvez possa ser fraqueza e deixa à mostra do inimigo alguma insensatez. Melhor não dizer. Melhor calar-se e mostrar-se sorrateiramente. Deixa assim, o dito pelo não-dito. E ficamos bem.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Outros dias

Ainda hoje estava eu a divagar sobre mais um fim. De quantos fins sobrevivemos a cada dia?
O fim de um expediente, o fim de um almoço, o fim daquele relatório enorme. E o fim de nós mesmos, quando fechamos os olhos
e adormecemos por uns instantes. Instantes esses perdidos e que nos escapam.
E pensei mesmo no fim de mais um ano e pensei o que seria de nós se não tivéssemos 365 dias para recomeçar e 60 segundos para encerrar um minuto.
Aquele minuto de silêncio entre dois olhares que se interpelam, ou de duas bocas que se calam.
E, de repente, reli um texto de Clarice, no qual a escritora divaga sobre essa beleza do infinito: "Nós estamos tão longe de compreender o mundo que nossa cabeça não consegue raciocinar senão à base de finitos". Assim, vamos nos constituindo colocando pontos finais, vírgulas, parênteses. Criamos, a todo momento, formas
de limitarmos essa grandiosa infinitude da vida. Como a poeta nos coloca, sem entender essa infinitude, a compreendemos, e vamos vivendo.
Mais uma vez estamos aqui, diante de um novo ano. Para uns, a espectralidade de um novo ciclo causa arrepios.
O novo que se inicia infinitamente após o velho, carregando em si a marca desse outro que não se (lhe) escapa. Há tanta previsão diante desse outro, que, na verdade, penso que estamos simplesmente apenas obstinados pelo medo. Pois há como prever o que virá, só não sabemos ao certo como lidaremos com esse novo vivenciar, com essa continuação infinita do outro outro. Viver é muito perigoso, disse uma vez o poeta, que, muito em seguida, também afirmou que nem é tão perigoso assim. E diante desse it que se forma infinitamente, vamos seguindo nossos rastros e perpetuando-os. Faço-me nesse hoje que transborda de tanto amanhã, que grita pelo ontem. E que se contrai em legitimação, em certeza, em veracidade.
Foi apenas mais um ano. Que germinou e floresceu. Angústias, tristezas, sorrisos, sorrisos e sorrisos. A proporção de cada emoção me constituiu novamente um sujeito e me instituirá infinitamente mais em tantos amanhãs. Nessa infinita constituição incisiva de ser sendo.

Maysa Sales

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ó texto, texto meu


Diga-me, então

Quando (ainda (não))serás publicado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Um rastro

Depois da fase não-entendo-nada-do-Derrida, não há como não se envolver com essa escritura outra, que nos corrói:

‎"eu não te peço perdão por ter te traído, ferido, por ter te feito mal, por te ter mentido, por ter perjurado, eu não te peço perdão por um malefício, eu te peço perdão ao contrário por te ter escutado, muito fielmente, por muita fidelidade à fé jurada, e de ter te amado, de te ter preferido, de te ter elegido, ou de me ter deixado eleger por ti, de te ter respondido, de ter dito: ‘eis-me aqui’ – e portanto de ter sacrificado o outro, meu outro outro, meu outro outro como preferência absoluta, o meu, os meus, o melhor do que é o meu, o melhor dos meus [...]”

Jacques Derrida

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Da existência

"Começar de verdade é começar possuindo-se inalienavelmente. É, portanto, não poder voltar atrás. É embarcar e cortar as amarras. Por conseguinte, é preciso levar a aventura até o fim. Interromper o que foi verdadeiramente começado é uma maneira de terminá-lo num fracasso e não abolir o começo. O fracasso faz parte da aventura. O que foi interrompido não desaparece do nada, como no jogo. Isso mostra bem que o ato é a própria inscrição no ser. E a preguiça, como recuso diante do fato, é uma hesitação diante da existência, uma preguiça de existir".

Lévinas in Da existência ao existente

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ter vivido tão pouco me faz ver que nos contentamos com muito pouco. Com elogios medíocres, com pessoas mesquinhas, com desesperos egoístas. Viver é uma decisão. Não há universo que conspire nada para você, é apenas você quem atrai o universo! E ele é tão vastamente pequeno! Decidir por si mesmo, pelos seus ideais, pelos seus princípios é o mínimo que se pode fazer por sua dignidade. Ninguém, absolutamente ninguém, poderá te julgar pela sua individualidade, porque nem esse alguém é capaz de julgar-se. Ter decisão na vida é sublime. Segregar definitivamente água e óleo é perceber que se submeter ao incomum é escapar para sempre para fora de si.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

Antônio Cícero